O arquipélago da reabilitação: trabalho forçado e outros abusos em centros de detenção de droga no Vietname do Sul
Pessoas detidas pela polícia no Vietname pelo uso de drogas são detidas sem o devido processo durante anos, forçadas a trabalhar por muito pouco ou sem pagamento, e sofrem tortura e violência física, refere a Human Rights Watch num relatório publicado hoje. Os centros de detenção de drogas do Governo, mandatados para “tratar” e “reabilitar” utilizadores de droga, não passam de campos de trabalhos forçados onde os utilizadores trabalham 6 dias por semana no processamento de castanha de caju, na costura ou no fabrico de outros elementos.
O relatório de 121 páginas, “O Arquipélago de reabilitação: Trabalho Forçado e Outros Abusos em Centros de Detenção de Drogas no Sul do Vietnam”, documenta as experiências de pessoas confinadas a 14 centros de detenção sob a autoridade do governo municipal de Ho Chi Minh. A recusa em trabalhar ou a violação das regras dos centros resulta em castigos que em alguns casos é de tortura. Quynh Luu, um antigo recluso que foi apanhado a tentar fugir de um centro, descreve o seu castigo: “Primeiro eles bateram-me nas pernas para que eu não fugisse novamente… (Depois) deram-me choque com um bastão eléctrico (e) mantiveram-me na sala de castigo durante um mês.”
“Dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças são mantidas contra a sua vontade em centros de trabalhos forçados dirigidos pelo Governo no Vietnam”, afirma Joe Amon, director de saúde e direitos humanos da Human Rights Watch. “Isto não é tratamento de drogas, os centros devem ser fechados e estas pessoas devem ser libertadas.”
O apoio de financiadores internacionais a estes centros e ao Ministério de Trabalho, Inválidos e Assuntos Sociais do Governo Vietnamita, que os supervisiona, podem ter o impacto perverso de permitir que o governo continue a deter utilizadores de drogas com VIH, diz a Human Rights Watch. Segundo a lei Vietnamita, os detidos com VIH têm o direito de serem libertados se os centros de detenção não puderem providenciar cuidados médicos apropriados.
O sistema vietnamita de centros de trabalhos forçados para utilizadores de drogas tem, a sua origem nos campos de “reeducação através do trabalho” para consumidores de drogas trabalhadores do sexo estabelecidos a seguir à vitória do Vietname do Norte em 1975. Os centros receberam ajuda política renovada em meados de 1990, durante uma campanha do governo para erradicar os tão falados “demónios sociais”, incluindo o uso de drogas. Com a modernização da economia do Vietname o sistema expandiu-se. Em 2000 existiam 56 desses centros no Vietnam; no início de 2011 eram 123.
As pessoas são habitualmente mantidas nos centros depois da polícia as deter ou quando familiares os “voluntariam” para a detenção. Em raros casos os indivíduos voluntariam-se, acreditando que os centros fornecem tratamento eficaz para a dependência de drogas.
Antigos detidos disseram à Human Rights Watch que eram mandados para os centros sem uma audiência formal legal ou julgamento e sem estarem com uma advogado ou juiz. Eles disseram que não tinha conhecimento sobre qualquer meio de revisão ou recurso da decisão de detenção. Estes detidos que entraram voluntariamente disseram que não eram livres de sair e que a sua detenção era arbitrariamente alargada pela direção do centro ou por mudanças nas políticas do governo.
Os detidos descrevem a realização de trabalhos servis por longos períodos, processando castanhas de caju, na agricultura, costurando roupa e sacos de compras, trabalhando na construção e fabricando produtos em madeira, plástico, bambu e vime. Kinh Mon, um antigo detido, disse à Human Rights Watch: “eu descasquei castanhas de caju durante 3 anos. Eu trabalhei entre seis horas e meia a oito horas por dia e terminei a minha cota. O fluído das castanhas queimou a minha pele.”
Alguns detidos trabalham anos sem pagamento. Outros são pagos com uma fracção do salário mínimo e a direção do centro deduz a comida, estadia e as chamadas “taxas de gestão” do seu pagamento. No final da detenção, revelam alguns detidos, as famílias têm de pagar aos centros as dívidas que os oficiais dos centros dizem que os detidos têm.
Desde 1994, financiadores internacionais trabalharam nestes centros o “desenvolvimento de capacidades”, incluindo o treino das equipas dos centros em modalidades de tratamento e apoio para intervenções no VIH. A prevalência de VIH nos detidos é desconhecida, mas tem sido reportada entre os 15 e os 60%. A maioria dos centros não oferece tratamento anti-retroviral ou até cuidados médicos básicos.
Alguns ex-detidos deram à Human Rights Watch nomes de empresas que alegadamente têm produtos processados nos centros. No entanto, a falta de transparência ou de alguma lista pública acessível das empresas que têm contratos com estes centros de detenção governamentais dificultou a corroboração do seu envolvimento. Frequentemente os detidos não sabiam as marcas ou empresas a que pertenciam os produtos em que trabalhavam. A Human Rights Watch afirma que está a investigar as empresas que podem ter contratado os centros de detenção.
Entre as empresas cujos bens alguns detidos afirmaram que foram obrigados a trabalhar estão duas empresas vietnamitas, Son Long JSG, uma empresa de processamento de castanhas de caju, e a Tran Boi Production Co. Ldt., que fabrica bens em plástico. A Human rights watch enviou correspondência a ambas as empresas variadas vezes no sentido de chegar aos seus comentários, mas nenhuma delas respondeu.
As reportagens vietnamitas da última década identificam a Son Long JSC e a Tran Boi Productiions Co. Ldt. Fabricando produtos a partir dos detidos dos centros. Em 2011, o director de um dos centros de detenção disse a um jornalista estrangeiro, com quem a Human Rights Watch se encontrou, que a Son Long JSC supervisionou o processamento de castanhas de caju no seu centro.
“Trabalho forçado não é tratamento, e os fins lucrativos não são reabilitação”, diz Amon. “Os financiadores devem reconhecer que capacitar estes centros perpetua a injustiça, e as empresas devem ter a certeza que os seus contratados e fornecedores não estão a usar bens desses centros.”
A Human Rights Watch solicitou ao governo do Vietnam que fechasse esses centros permanentemente e que conduzisse uma investigação imediata, minuciosa e independente sobre a tortura, maus tratos, detenções arbitrárias e outros abusos decorridos nos centros de detenção de droga do país. O governo deve também fazer uma lista pública de todas as empresas que têm contratos com os centros de detenção para o processamento ou fabrico de produtos.
Financiadores e as suas agências executoras devem rever a sua assistência aos centros de detenção e certificar-se que nenhum fundo está a apoiar políticas ou programas que violam as leis dos direitos humanos internacionais.
Empresas a trabalhar com os centros de detenção de drogas vietnamitas, incluindo através de subcontratação, devem acabar com essas relações imediatamente, afirma a Human Rights Watch.
“Pessoas que dependem de drogas no Vietnam precisam de aceder a tratamentos volutários e de base comunitária”, diz Amon., “Em vez disso, o governo está a prendê-las, empresas privadas estão a explorar o seu trabalho e financiadores internacionais estão a fechar os olhos à tortura e abusos”.
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